Em terra de cegos, quem conseguiu ver a importância das vacinas não é cientista.
O Inconsciente é o reprimido
Foi essa a definição que deu o S. Freud, quem fora o criador
do dispositivo clínico da psicanálise. Você pode trazer as próprias ideias
sobre o que “reprimido” ou “repressão” possa significar, mas acredito que com esses
termos dê para imaginar que se esteja fazendo referência a coisas reprimidas
como comportamentos, sentimentos, intenções, interesses ou temas até, que por
alguma razão avaliada por quem reprime a outra pessoa ou por quem se reprime a
si mesmo/a, pareça melhor segurar, adiar, silenciar, eliminar, ocultar aos
outros, ou pelo menos disfarçar. Nessa linha, parece que o inconsciente teria a
ver com coisas que não são bem-vindas ou aceitas, nem bem vistas por alguma
razão de tipo moral-ético ou de tipo estético, até.
Ora, é de comum conhecimento a referência tocante à
sexualidade em conexão com a psicanálise, quando as pessoas dizem frases como “tudo
é sexual para a psicanálise” ou que “a psicanálise dá muita importância à
sexualidade”, etc., ou que é o Freud que dava. Vamos entender com ajuda do
senso comum que o tema tenha a ver com o conjunto de atividades, gostos,
práticas, desejos e fantasias de tipo sexual-erótico, que pertencem à
intimidade dos indivíduos, e que por isso, talvez, insistam em não ser falados.
Vamos combinar que culturalmente, a sexualidade ou os temas relacionados com o
sexo, com o papel sexual, com a vida sexual, etc., são sim um tabu, até porque
são evitados, muitas vezes temidos ou chamados de desagradáveis, inapropriados,
ou íntimos, ou seja do lado do oculto, que mais ninguém deveria acessar. Ali
até tem contexto para entender o aparecimento de algum tipo de censura moral e
estética no tocante ao tema, por despertar sentimentos como a vergonha ou o temor
nas pessoas, e não só prazer, por exemplo.
Por outro lado, a psicanálise, como também tudo mundo sabe, é
um trabalho clínico num consultório, comparável ao que é feito pelos profissionais
da área da psicologia e da psiquiatria. Quer dizer, dá para imaginar que ele seja
um trabalho com o sofrimento mental ou psíquico, com os diferentes distúrbios e
transtornos comummente conhecidos. Mas então, como assim? Qual seria a relação
até aqui entre problemas ligados ao sofrimento psicológico, emocional e mental
como os distúrbios mentais ou os nevrológicos, os transtornos do
desenvolvimento ou os do estado de ânimo, O QI, os CIs, os diagnósticos psiquiátricos
e o tabu da sexualidade ou os desejos e práticas sexuais das pessoas? Vendo
dessa forma, parece tudo muito desconexo e estranho, na verdade.
Vamos tentar começar a desfazer essa aparente desconexão ao pensarmos
na seguinte pergunta:
Por que as pessoas adoecem mentalmente por terem reprimido
algo do qual mais ninguém sabe, nem elas querem que ninguém saiba por medo ou
vergonha, e por isso provavelmente não seja evidente para ninguém qual é o
problema que deu origem ao sofrimento emocional que elas carregam, nem ninguém possa
dar soluções concretas nem respostas que se ajustem especificamente ao fato
delas próprias preferirem não fazer, sentir ou desejar algo, devido à censura
moral e estética que as rodeia?
Em outras palavras, por exemplo:
Se uma pessoa perde o sentido da sua vida depois de muito
tempo de lutar por projetos familiares e pessoais com os quais perdeu ou nunca
conseguiu estabelecer uma verdadeira conexão, agora está exaurida, abatida,
confusa e se sentindo sozinha, e depois é diagnosticada com transtorno do
estado de ânimo ou com transtorno da personalidade, será que é obvio para ela e
para quem a conhece, que ela precisa falar sobre a angústia que lhe causa essa
sua falta de conexão, de amor por exemplo, de empatia, quando ela não ousa nem
chegar perto de pensar nisso, pois sabe que os filhos que teve nesses anos
ainda dependem dela, e que irá ser fortemente julgada se decidisse deixa-los
para trás, pois precisa urgentemente descansar, e se perguntar o que ainda
daria para fazer se entendesse melhor qual é o tipo de vida que quereria viver?
As pessoas pertencem a uma cultura e a uma época que
estabelece ideais sobre como é que as pessoas devem se comportar e que tipo de
vida que elas devem levar, dependendo de quem elas são na sociedade, e as
pessoas sabem disso. Também sabem que o mais importante nesse contexto cultural
é encaixar, e que não o fazer pode ser perigoso. Ao pertencerem, geralmente as
pessoas internalizam esses deveres e proibições, e chegada uma certa idade, não
precisam mais que alguma autoridade moral ou institucional mande ou proíba a
elas fazerem coisas. Elas internalizam, “amadurecem”.
A censura internalizável graças à pertença cultural, por
exemplo no Brasil até o 2023, é igual de forte e grave para uma mãe do que para
um pai, no caso hipotético anterior? O que a resposta na qual você pensou informa
sobre a relevância do tema da “sexualidade”, ou dos “papeis sexuais” no
funcionamento da psique humana?
Você acha que sejam perguntas bobas, que não se correspondem
com o dever científico de tentar entender fenômenos muito presentes na vida dos
seres humanos, que trazem consequências práticas e impõem dificuldades pelas
quais as pessoas algumas vezes estão dispostas a procurar ajuda e esperam achar
em algum lugar?
Bobagem é simplificar os postulados da ciência
Parafraseando à pro-vacinas em tempos do Bolsonaro, N. Pasternak:
O inconsciente não é mensurável; a psicanálise é o estudo do inconsciente; a
ciência mede a realidade para prova-la; portanto, a psicanálise não é ciência: É
mesmo tão simples de deliberar sobre o que é uma área de conhecimento como é a
psicanálise, sem sequer tê-la estudado? Sugiro a importância de lembrar que a
ciência também explica com provas e evidências de todo tipo, que primeiro é
importante estudar a fundo um tema, ter prática e experiência nele, e ser capaz
de condensar o aprendido numa linguagem que respeite a complexidade da lógica,
antes de pretender dar uma opinião com pretensão de cientificidade sobre um
assunto. Nessa ordem de ideias, em terra de cegos, quem tem um olho não é
cientista.
A ciência e seu método, pela sua vez, dependem da “positividade”
dos fenômenos, ou seja do aparecimento de coisas, de forma que possam ser isoladas
e mensuradas de alguma maneira, o que é contrário ao conceito de ausência. Você
pode aprofundar nesse conceito pesquisando sobre “Positivismo”, “Auguste Compte”
ou “Karl Popper”, para começar. Esse aparecimento das coisas, que é contrário à
ausência ou à impossibilidade de trazer a coisa para o mundo do concreto, é
contrário também à imaginação, digamos, ou ao misticismo, à criação a partir do
nada, ou à irrealidade das coisas que não se possa provar que existem. Eis a
ciência e sua necessidade central de estabelecer provas sobre as realidades que
ela estuda.
A psicanálise é ciência no sentido do rigor de um estudo com
um corpo teórico que permite que haja comprovação e que se dê solução a
problemas que fazem parte da realidade porque lida com uma coisa que existe, e
que se chama de inconsciente. Ora, se o inconsciente é tudo que precisou ser
escondido, disfarçado ou adiado, por parecer moral ou esteticamente censurável,
por exemplo em conexão com a sexualidade humana, vamos combinar que não é que
não exista. Muito pelo contrário. Existe sim, e pesa tanto, doe tanto, incomoda
tanto, que algo acaba sendo feito a través da repressão, como já vimos que
sugere a definição freudiana do inconsciente, para fazer de conta que não
existe. Vamos parar neste ponto para salientar a importância crucial do “fazer
de conta que algo não existe” como explicação das razões que levaram a uma
suposta cientista de renome no Brasil a dizer que ela acha que a psicanálise é
pseudociência, onde o prefixo “pseudo” significa “falso”.
É falso que as pessoas adoecem mentalmente porque elas têm
medo, vergonha ou culpa de alguém saber sobre o que elas sentem ou fazem ao
escondido, e até por isso, já conseguiram ocultá-lo, disfarça-lo ou deixa-lo
para momentos e espaços aos quais ninguém tenha acesso? Como se prova que
alguém não sente amor, empatia, conexão, identificação, ou algum tipo de
interesse pelas opções que a cultura à qual pertencem oferece e espera delas no
seu papel social? É isso que tem que ser provado e comprovado num laboratório ou
numa pesquisa de campo?
A psicanálise isola sintomas, mecanismos de defesa e se
utiliza da corporalidade da linguagem
A palavra “sintoma” deriva de línguas antigas e indica que se
configurou um cúmulo de coisas que ficaram juntas, aliás de uma forma específica,
que daria para descrever sempre da mesma forma já que aparece de forma típica,
sendo que em cada idioma uma palavra específica nomeia um sintoma X ou Y
específico. Quem atua na área de saúde mental, sabe bastante de sintomas, sem
importar se é da área da psicanálise ou da psicologia e a psiquiatria. A “constelação”,
quer dizer, as possibilidades de misturas de quantidades variáveis de sintomas
positivos e negativos (aliás), sistematiza com diagnósticos psicológicos e
psiquiátricos “realidades” observáveis por aparecerem ou faltarem (sintomas
negativos) sobre o sofrimento humano. As longas listas estão disponíveis em
categorias organizadas e explicadas para quem quiser ver, nos manuais de psicodiagnóstico
tais como as diversas versões do DSM ou do CIE.
A psicanálise originou a ideia de montar essas
sistematizações muitas décadas atrás, aliás, mas hoje em dia toma cuidado ao
momento de solidificar num diagnóstico um nome técnico de uma realidade humana
particular, já que só consegue entender o caso por caso de cada paciente na
medida que ele/ela fale suficientemente sobre o que lhe faz sofrer ao lidar com
as dificuldades da sua biografia particular no contexto da sua cultura.
Falando em outras comprovações, realidades e sistematizações
importantes para a anti-bobagem da psicanálise, temos que ela já descreveu em inúmeros
trabalhos oriundos da experiência clínica o funcionamento de estratégias
inconscientes (não conscientes) típicas que os seres humanos conseguem aplicar
para lidar com conflitos subjetivos entre o ideal emprestado e o que é desejado,
o requisito cultural e a sensibilidade própria, a proibição e a necessidade
pessoal.
A psicanálise sistematizou há muitos anos também os fenômenos
defensivos ao nomeá-los e explicar como funcionam, colocando a pesquisa de
campo da clínica como contexto de origem da teorização, e deixando a teoria de
base como guia para a escuta do sujeito na clínica psicanalítica atual, mas
também à disposição da clínica do luto, da justiça restaurativa, da filosofia
contemporânea, da clínica psicossomática, do psicodrama, psicologia junguiana, Gestalt,
entre outros, e também à disposição da mesma psicologia moderna de modo geral,
cujo único proponente teórico alternativo forte para a psicologia individual
(Vs a social) tem sido o pragmatismo americano que dera origem à psicologia
experimental focada no entendimento da aprendizagem e “desaprendizagem” de
sintomas e condutas de risco como proposta de intervenção.
A psicanálise visualizou esses mecanismos, os fez ficar
visíveis ao olho clínico treinado, e os nomeou com termos como regressão, deslocamento,
negação, projeção, racionalização, sublimação e a mesma repressão, entre outros,
que seriam as manifestações típicas e reconhecíveis do “Ego”, ou seja, de uma
parte do nosso psicológico, digamos assim, e que aparecem na fala dos pacientes
quando se cria uma situação que os coloca a usar e demonstrar qual é a sua
reação típica diante das exigências da parte daquela cobrança cultural externa
que é internalizada com a superação da idade infantil, e que não causa nunca
sentimentos de bem-estar moral ou estético suficientes como para permitir a existência
subjetiva em paz e com autêntica felicidade.
A través da linguagem, do uso no contexto de palavras
específicas, de colocações particulares, efeitos de linguagem, usos da ironia
ou do humor, figuras literárias até (como é a do título desse artigo), os
indivíduos trazem provas ao consultório de que o inconsciente existe, e que a
bobagem é achar que as pessoas sabem conscientemente e vão falar logo,
literalmente, com absoluta contundência e completude, e a quem for, o que elas
querem, o que elas precisam e aquilo que elas são.
Se você quer falar sobre o que você acha que sente e sobre o
mistério de quem você é, saiba que pode me contatar. WA 21 40403944
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