Ansiedade: risco para todo ser humano
1. O que é a ansiedade, na verdade?
A ansiedade, como problema clínico, é uma emoção complexa,
por uma parte com uma origem em fatores históricos de cada pessoa, e por outra
parte, com uma fisiologia e uma sintomatologia no corpo que não dá para ignorar
por muito tempo.
A ansiedade é basicamente medo, mas um tipo de medo sem
objeto específico. O medo que comumente conhecemos é aquele que nos acomete
numa hora específica, diante de um risco concreto: cair da moto, sofrer assalto
na rua, cachorro bravo se aproximando, gravidez indesejada, etc. Nesses casos,
é muito fácil identificar a fonte, o objeto. Já a ansiedade não é só de um
momento específico, e ela não passa assim que o risco acaba. Se você já sofre
de ansiedade, sabe como esse medo intangível não passa ao longo das semanas,
dos meses ou dos anos.
Por outro lado, dá para cada quem saber sobre algum tema com
o qual a ansiedade própria possa ter conexão, mas nunca dá para definir
concretamente o risco que a ativa, por assim dizer, e que não é obvio, como
seria obvia a consequência de sofrer de um acidente ou uma vitimização inesperada.
A historização sobre os eventos que nos atingiram ao longo da vida é chave para
objetivar a fonte do temor individual na ansiedade. A psicologia e a
psicanálise trabalham com isso.
2.
Ansiedade como doença
“Doença” podemos definir como o oposto de “saúde”, que
segundo a Organização Mundial da Saúde é um estado de bem-estar físico, mental
e social. Então o que poderíamos entender como bem-estar? Sugiro que possa ser,
por exemplo, não ter questões, preocupações, vazios ou problemas para resolver,
que possam consumir a nossa energia permanente ou totalmente. Mas, será que
ignorando que existem já podemos fazer com que um estado de bem-estar se
instale nas nossas vidas?
Não é porque achamos que somos capazes de relevar algumas
dificuldades da vida que iremos ser capazes de desconsiderar uma pressão alta
constante, uma vertigem persistente que nos faz cair, uma enxaqueca semanal que
a cada vez nos incapacita mais para voltar às nossas funções, e muito menos
desconsiderar o dano orgânico gerado por essa fisiologia constante de um tipo
de medo que nunca para, ou seja, ansiedade, quando ela passa a danificar o
nosso fígado, rins, visão, sistema reprodutor, sistema imunológico, pele, etc.,
criando problemas como diabete, psoríase, endometriose, infecções constantes,
entre muitos outros.
Também não é porque queremos esquecer de alguma parte da
nossa história que ela irá embora das nossas vidas. Não adianta fazer de conta
que não temos uma história própria que deixou marcas e “caminhos” igualmente
marcados, que continuaremos a percorrer sem notar: mesmo que não queiramos
tanto. Você já se pegou se sentindo com medo de vivenciar coisas que geram medo
e confusão, até porque não está muito claro como elas funcionam? É isso mesmo:
a ansiedade é o medo a um medo, que já se teve, eu não escrevi o termo “medo”
várias vezes por erro.
3.
Fisiologia da ansiedade explicada de modo
simples
Não adianta muito sempre fazer exercícios de respiração ou
musculares, ou tomar para sempre remédios que nos ajudem a dormir, por exemplo,
para desfazer a disposição fisiológica que pode ser crônica, que está trás da
ansiedade. Existem condições físicas e mentais que viram crônicas, por conta da
persistência e durabilidade, assim como devido aos danos corporais que elas
geram, dependendo do caso, estamos falando de alguns meses ou anos. Certamente,
cada corpo terá condições desiguais para lidar com o peso de uma afetação, por
exemplo, o que é gerado pela ansiedade como disposição fisiológica ou como
funcionamento.
O nosso sistema nervoso e o nosso corpo, de modo geral, se dispõem
a través do medo, a nos defender de ameaças, e nos colocam a correr, lutar ou
ficar imóveis, de forma que, na teoria, não nos acometa a morte. Precisamos de
boa presença de sangue com boa carga de oxigênio e açúcar nos nossos músculos
para isso: correr, lutar ou impedir o movimento. Pensa de novo nos exemplos da
moto, do cachorro, do assalto, por exemplo: você pode pensar por quê poderia ser
útil correr muito rápido, reagir com mais força do normal, ou resistir e não se
mexer em algum desses casos? O corpo cuida disso de forma automática, e embora
seja ruim, a sensação sempre passa rápido: claro, se nem a moto, nem o
cachorro, nem o ladrão atingem a pessoa, e se não significam nada além para
ela.
Com um “preparo” que não para, dá para imaginar que comece a
faltar bom fluxo de oxigênio, açúcar e outros nutrientes em órgãos e sistemas
que não sejam fundamentais para a defesa temporária. Em menos de um ano, já se pode
sofrer danos, e cabe a cada corpo descobrir se eles serão reversíveis ou não. A
psicologia e a psicanálise também cuidam disso, com o apoio dessa vez, da
medicina e de outras especialidades que ajam sobre o corpo.
4.
Ansiedade como impedimento para funcionar.
Especialmente nos tempos de hoje, onde tudo mundo está
ocupado, não há tempo suficiente para processar emoções e vivências pessoais,
estados anímicos e físicos que não permitam às pessoas funcionarem no trabalho,
no estudo ou na família. Nesse contexto, surge a sensação de que “sentir”
alguma coisa é inconveniente: quase qualquer coisa, desde felicidade até vazio
e dor. Ou seja, precisamente a capacidade de ignorar, relevar e fazer de conta
que não temos uma interioridade que sente e se comove com a vida, acaba sendo
valorizada como algo “bom” para se ter, por ser a estratégia mais efetiva para
continuar a funcionar, produzir, e se atentar às demandas dos outros. Inclusive
das pessoas que amamos. Mas por quanto tempo você acha que essa “capacidade”
tão “útil” irá ser sustentável para um ser humano como você ou como eu?
Entenda que ao usar o termo “especialmente” no parágrafo
anterior, estou sugerindo que a correria dos tempos atuais não é a única razão
que leva às pessoas valorizarem a “capacidade” para relevar estados internos, e
deixarem para depois tomarem conta deles. Não são só as pessoas que têm um
emprego, empreendimentos, ou aquelas que fazem faculdade que ficam muito
atarefadas e cheias de problemas para lidar. Não é só a produtividade material
e intelectual que ocupa às pessoas. Também nas relações interpessoais, os seres
humanos podemos ficar bastante “atarefados”; especialmente, “atarefadas”: mas
esse é um tema para uma próxima reflexão.
Os profissionais da saúde teremos mais trabalho na medida
que você não tenha tempo e condições para parar e pensar sobre o seu sofrimento
ansioso. Uma pessoa com uma ansiedade crônica irá precisar, sim, de ir no
médico, irá ficar muito triste, e provavelmente vai chegar uma hora com
episódios de angústia que demonstrem que ela não pode gerenciar isso sozinha. A
maior gravidade só pode aprofundar as consequências da origem da ansiedade,
cuja origem precisa ser identificada, historizada e lidada de alguma forma.
Peça ajuda profissional.
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